Por: J. Ribeiro Aires
– Olh’ O Notícias. Última hora: Infante D. Henrique foi preso, Fernão de Magalhães anda fugido nos mares do sul. Olh’o Notícias – apregoava o ardina no Cimo do Campo do Tabulado.
E enquanto o ardina continuava com os seus pregões pela Avenida, Carvalho Araújo, no seu pedestal, apurava os ouvidos «cerosos». Tomara ele poder descer do pedestal para perceber o que se passava.
Eram temerosas, a serem verdade, as palavras que o rapazola proclamava. “O que se estaria a passar no seu Portugal? Será reflexo do que vai pelo mundo? O mundo endoideceu?”, pensou. “Melhor era deixar-se estar. Mas estaria ele seguro?”, interrogou-se.
Um maremoto devastador, com origem nos Estados Unidos, já assanhara ânimos na Inglaterra e chegara a Lisboa. A Polícia de Investigação Criminal (PIC) iniciara rusgas, em várias cidades. O Infante D. Henrique, líder da GlobalDescobertas, foi preso em flagrante delito, em Sagres. Nas suas instalações encontraram mapas comprometedores das suas actividades criminosas e que provam ser o mentor da invasão de ilhas do Atlântico e de territórios da costa africana.
– Olh’ O Notícias – continuava o ardina. – Mandatos de captura para Diogo Cão e Fernão de Magalhães.
A PIC desconfiava que Diogo Cão se fez ao largo com padrões para se apoderar de territórios onde aportasse. As últimas imagens de satélite davam conta que terá subido o rio Congo, até às cataratas de Ielala. Pensa-se que capturou uns negros que embarcou no seu navio. É, pois, acusado de rapto e violação dos direitos humanos.
– Olh’ O Notícias – continuava a cantarolar o ardina, com voz estridente, no Largo do Pelourinho – Dão-se alvíssaras a quem der notícias de Fernão de Magalhães, fugido nos mares do sul. É um bandido perigoso, aliado a Sebastian del Cano e a Ruy Faleiro. Acusado de tráfico de noz-moscada, gengibre, cravinho e canela e de submeter à escravidão populações das Molucas.
– Olh’O Notícias, leia O Notícias com novidades fresquinhas. Olh’ó Camões, cantor de versos heroicos racistas ao defender o colonialismo, a supremacia lusa, do Tejo à Trapobana. É considerado um agitador perigoso. Os seus versos são subversivos. Foi levado para o Limoeiro. Como pena, pode ficar sem o olho vivo. Leiam, leiam O Notícias. Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Francisco de Almeida, Afonso de Albuquerque, D. João II e D. Manuel I viram as suas contas bancárias congeladas. Estão a ser acusados de enriquecer à custa de roubo de especiarias nas terras orientais e de se apoderarem de ouro e marfim na Costa Ocidental Africana. São mais de 1000 crimes económicos e financeiros, além de tráfico humano. Desde ontem que estão a ser interrogados pelo juiz Alexandre, o Justiceiro. Devem ficar em prisão preventiva.
O povo de Vila Real anda atónito, nos últimos dias. Metade da população anda, pela rua, com a boca aberta, face a notícias tão incomuns e asquerosas dos homens a quem tanto queriam como os seus heróis. Já nem em reis se pode confiar, comenta-se. Era mesmo de perder o sono. Estas notícias são pior que a pandemia.
O Notícias, no dia seguinte, saiu à rua com uma edição especial que esgotou num ai, porque as novidades eram cada vez mais incríveis e absurdas. O padre António Vieira ia ser acusado de pedofilia por defender os índios e andar sempre com meninos agarrados à sua batina, a que se acrescentava o ter pacto com o diabo, porque várias testemunhas declaravam que o viram e ouviram a falar com os peixes.
A noticia de última hora chegou ao ardina por telemóvel. O Convento de Mafra foi reclamado por Jair Bolsonaro, porque foi construído com o ouro e os diamantes do Brasil. Por isso, o presidente do Brasil exige que seja desmantelado, pedra a pedra para ser reconstruido em Brasília. Os descendentes dos construtores e os tetranetos de Baltasar e Blimunda, dos «brancos» da região saloia que foram obrigados a trabalhar de sol a sol e sob chicote, morrendo muitos de esgotamento, fome e sede ou de esmagamento debaixo das pedras que desabaram dos andaimes reclamam a António Costa uma indemnização. O Presidente Marcelo já exigiu a Bolsonaro que provasse ter sangue Guarani, Caiapós ou Tupinambá, por exemplo. Não o sendo, era favor de, peça a peça, devolver, a Portugal todas as joias e obras de arte que a família real levou para o Brasil el 1808. Caso contrário, do Convento de Mafra só lhe podia enviar as carcaças dos ratos das catacumbas.