Sábado, 14 de Março. Hoje, não vou à praia, porque o Corgo não está convidativo. Não há areia que o justifique e a relva não está aprazível para estender uma toalha, apesar de o sol brilhar e o céu estar muito azul.
Estou cheio de dúvidas. As dúvidas do mundo. Não sei se as devo arrumar em pequenas gavetas ou se o melhor é ignorá-las ou se o aconselhável será entregá-las ao vento. Mas também tenho dúvidas da eficácia do vento. Ele tanto leva como traz. Aconselham-me a não fazer nada.
Estou duvidoso. Mesmo. Tenho os olhos e os ouvidos cheios de Covid19. Não sei se há colírio ou gotas auriculares que os limpe. Não sei se devo ir comprar o jornal. Não virá o corona aconchegado nas suas páginas? E, se comprar o periódico, será aconselhável ir lê-lo, ali, ao café? E se pedir café, mesmo em chávena escaldada, andará, por ali, o Covid, na borda do pires, na concha da colher, prontinho para a sua invasão silenciosa? Estou, mesmo, carregado de dúvidas, como fossem dívidas, sem saber como as saldar.
Decido ir ao café. Há poucos clientes. Minutos depois, alguns mudam-se, depois, para a esplanada, a convite do sol. Mas não estou sossegado. Por causa do ar. Não sei se está purificado. Não me cheira a lixívia. Ouvi dizer que já não a há no Pingo Doce, aqui ao lado. Assalta-me nova dúvida: será que as mesas foram bem limpas? Para a próxima trago um frasco de álcool, isto é, se houver algum depois do reabastecimento. E já agora um rolo de papel higiénico, se também ainda houver algum no supermercado. Dizem que as pessoas enlouqueceram. Compram papel higiénico às dúzias. Grande diarreia! Chiça!
É quase meio dia. Tenho de ir às compras. Preciso de comprar um peixinho para o almoço. Levanto-me. Pago o café. Saio. E lá vou eu. O “super” tem fila e segurança à porta. Plano de contingência. O que não será lá dentro! Hum! Vou ter de pensar noutra coisa para o almoço. Falará o frigorífico.
Vila Real, hoje, sábado dia 14, a esta hora, está incólume, só as prateleiras não. Parece que passou por elas um vendaval. “ Maledetto (诅咒 )” vírus! Veio para estragar tudo. Agora que tínhamos a sinfonia de um superavit! Lá se vai a glória de Centeno e de Costa. E a nossa. Voltarão as agências de rating a lançar mais lixo sobre nós. Mas deixemos estas preocupações para amanhã, que agora o mais importante é salvar a pele, ficando quietinho, no meu canto, sem tugir nem mugir, para não atrair o invasor invisível, o maior inimigo do mundo, neste momento. Quietinho? Melhor seria fugir, abandonar a cidade, escolher sítio seguro, uma caverna, se a houvesse na serra. Mas no Alvão, a caminho de Lamas de Olo, só há pedregulhos gigantes deixados a esmo, ali, pelos gigantes, depois do lançamento de peso, durante os seus jogos olímpicos.
Hoje, não vou à praia. Já é tarde e o sol de meados de Março desce depressa sobre o Marão, cobrindo Codessais de sombra. Aumenta a aragem do entardecer. Ligo a televisão. Os canais de notícias Só há um assunto, com muitas variantes. Estamos cercados de avisos, muitos avisos, cautelas, muitas cautelas, casos muitos casos. Medo. As cidades estão fechadas e os países encurralados. Mas todos à espera da salvação.
A noite chegou, não sei se serena, se agitada. Cada um sabe de si. Mas, às dez, abriram-se as janelas, as portadas das casas do país e bateram-se palmas, muitas palmas, para agradecer aos homens e mulheres que, nos hospitais, voando sobre a lava, vão salvando aqueles que caíram na «garras» do inimigo invisível. Também O NVR se associa ao movimento e bate palmas a todos quantos trabalham para o bem-estar do país e para que não fiquemos totalmente cercados pela doença e pelo medo.
Por: Joaquim Ribeiro Aires