Por: João Madureira
Portugal pode parecer um país alegre, até bem mais alegre do que nos meus tempos de rapaz. Naquela altura íamos brincar e nadar na água pura dos rios.
Agora, o poder autárquico democrático resolveu construir piscinas em todas as vilas e cidades. E faz bem porque os rios transformaram-se em lixeiras.
E também se fizeram muitas autoestradas. Por isso é que as estradas têm atualmente mais buracos.
Agora já ninguém passa a roupa interior porque não se vê. E até se rompem as calças para andar na moda. E usam-se piercings em tudo que é sítio, literalmente. E também se tatua a pele como se ela fosse um papel de rascunho onde se podem esquiçar algumas ideias.
Cozinha-se o bife do acém na chapa. Quem pode, claro. E quem não pode saliva com as belas imagens que a televisão transmite dos mestres de cozinha a grelharem essa carne suculenta.
A mediania e a vulgaridade tomaram conta de tudo.
A humilhação é geral.
Todos nos começamos a sentir vagamente patéticos. Estamos reduzidos às rotinas do dia a dia.
Gostam de nos lembrar que se cheiramos a limpo é porque há outros que estão sujos.
Todos manifestamos uma genuína indignação perante o estado das coisas, mas socialmente continuamos a ser uma comunidade pacífica. Talvez demasiado pacífica e resignada.
A verdade é que a culpa nasceu sempre de ventre desconhecido. O que é um grande mistério.
Bem nos avisaram que a democracia é sempre um sistema político frágil, sobretudo por causa da corrupção, da demagogia e dos populismos. Mas a verdade é que os avisos não tornam as coisas mais fáceis. E muito menos as evitam. Sente-se que a nossa democracia está a implodir.
O cansaço da política tem sempre estado relacionado com o prenúncio do fascismo ou de outros autoritarismos semelhantes. Tem de se evitar que o povo venha a descrer das instituições democráticas e do próprio futuro do país.
A nossa democracia transformou-se num jogo do bingo.
A sintaxe marxista foi sempre enganadora. E isso não lhe perdoo. Fez-nos um mal imenso.
Winston Churchill disse que “os homens às vezes tropeçam na verdade, mas a maior parte levanta-se e prossegue como se nada tivesse acontecido”.
Sim, eu sei que há leis, que a vida tem as suas leis sociais e culturais que, na realidade, são leis políticas, leis atávicas, leis que fizeram possível tudo aquilo que atualmente apelidamos de civilização.
A verdade é que estamos a cair num buraco e não sei se essas mesmas leis nos conseguirão tirar lá de dentro.
Portugal foi um país tão pobre que as minhas memórias dele são quase sempre frias. Incómodas.
A felicidade era quase como o Espírito Santo, invisível. Dizem que existiu, mas pouca gente a viu. E muito menos a sentiu. Dizem que só nos lembramos do que nos convém. Mas a infelicidade não convém a ninguém.
Naquela altura tudo era básico. Simples. Anómalo. Vivíamos no meio de espasmos morais.