As revoluções proletárias fracassaram porque é impossível adquirir uma verdadeira consciência proletária lendo nacos de Das Kapital. O proletariado é bom a criar crises, mas não a acabar com elas quando é necessário. A verdade é que a ditadura do proletariado nunca foi a democracia operária que os leninistas disseram defender e querer construir. As palavras sempre foram a maior arma dos revolucionários, mas não se fazem revoluções com discursos. Eu até podia dizer algumas coisas sobre as putativas revoluções proletárias que tiveram lugar por esse mundo fora, mas vou-me abster. Há coisas que não se dizem por educação. Por muito que nos custe admitir, as revoluções sempre foram suicídios coletivos instigados por meia dúzia de alucinados. Até podia ter sido bonito o espetáculo, mas foi apenas trágico. Um assassino é sempre um assassino, independentemente da capa ideológica que vista. O ponto fraco dos revolucionários de esquerda é a procura da felicidade, pois pensam que ela existe e é duradoura. E os revolucionários de direita pensam que a utilização do cilício na coxa esquerda os pode levar ao céu. Daí não vinha grande mal ao mundo se eles não se levassem a sério. A verdade é que os segundos correm atrás da metafísica e os primeiros fogem dela a sete pés. Ambos são bons a soltar o inferno. Todos os revolucionários são bons a criar factos. Toda a sua ficção está repleta de imparcialidade. Toda. Nela nada se pode confirmar ou desmentir categoricamente. Os seus factos inventados passam a ser a história verdadeira. O trilho da revolução/ficção é absolutamente seguro. Eles pensam que se a democracia é uma burla, a solução passa pela instauração de uma ditadura. Sendo que a solução assenta sempre em reformas tributárias e planos de austeridade. Gostam do gargalhar das metralhadoras e da fecundidade do sangue derramado pelos heróis anónimos. Gostam de escrever que depois da luta sangrenta revolucionária, os sorrisos voltarão à cara das mulheres e as roseiras e os craveiros voltarão a florir, pois é primavera, mesmo que seja dezembro. As revoluções são becos sem saída que acabam sempre por cair das mãos a quem as protagonizou. O sangue vem sempre ao de cima. As revoluções são, no seu início, uma viagem ao reino da fantasia, seguida de uma peregrinação pelas sendas de uma possibilidade remota. Despertar a sensibilidade literária e artística nos trabalhadores redunda sempre num estrondoso insucesso. A falta de ambição e o ecletismo cultural mal assimilado desorienta-nos a todos: dirigentes e dirigidos, proletários ou burgueses, comunistas, fascistas. E até democratas. Os revolucionários são como toda a gente, quando chegam ao poder começam a deixar-se influenciar em demasia pelos bons costumes, pela riqueza e pelo estatuto intelectual. Dizem os seus seguidores que os seus dirigentes possuem a mania da verdade. Mas a verdade é que apenas sabem mentir. Por essa razão é que as revoluções correm mal, muito mal ou pessimamente. Os outros são o inferno, como nos doutrinou Sartre. As revoluções são boas a criar uma espécie de desconfiança permanente, por isso é que Estaline mandou matar todos os seus camaradas do Comité Central e Fidel Castro lhe seguiu o exemplo revolucionário. O mais curioso é que se fixaram essencialmente naqueles que com eles fizeram as respetivas revoluções. Eu não gosto de generalizar, mas deve existir qualquer coisa de estranho numa ideologia que transforma líderes revolucionários aparentemente normais e correntes em assassinos em série. As revoluções são como as grandes sinfonias, acabam sempre com grande estrondo, deixando atrás de si o caos. Não sem antes passarem pela instauração da ordem, a dos campos de concentração e dos gulagues. Esses espaços educativos tentavam pôr juízo em quem tinha a ousadia de contar anedotas sobre os chefes, defender que, pelo menos, devia haver dois candidatos à escolha nas eleições e tinha tido a infeliz ideia de entrar na cabina eleitoral com a intenção de riscar o nome do candidato único, embora não existisse caneta nem tinta no tinteiro. Uma coisa agora sei, e posso partilhá-la: desconfiem sempre dos comissários da instrução, dos cavaleiros da verdade e da filantropia, pois não há no mundo gente mais falsa. Nas revoluções que nós todos conhecemos, os cidadãos eram como presos a torturarem os outros presos.